sábado, 30 de março de 2013

O PARTIDO HUMORISTA - 2

A Sra. Prefeita da Administração Popular preenche todos os requisitos para conduzir os humoristas daqui, quiçá do Brasil, ao Canaã. A terra prometida que faz cócegas em nossos pés, até rirmos a mais não poder.
Depois de transformar a loura desposada do sol, no dizer de Paula Ney, em sarará amigada do sol, a alcaidessa acha que merece mais. A Presidência da República, mas, benza Deus, que tal não aconteça.
Três anos após a refrega eleitoral, ela ainda não desceu do palanque. Sendo a Administração Popular, com honrosas exceções (Mamede, Vital), uma grande piada. As honrosas exceções, aliás, preferiram sair da canoa. A terem de compactuar com os projetos políticos da Sra. Prefeita e de seus apaniguados.
Como é próprio dos messiânicos, ela usa métodos próprios da categoria. Em vez da racionalidade administrativa, recorre a exorcismos. O Executivo Estadual é o seu demônio preferido.
Sobre o recente jejum da alcaidessa, tão bem divulgado pela mídia: marketing político? Ou a Sra. Prefeita, que já tem alguns gurus, apegou-se com mais um? Chamado fome, que não é propriamente um bom conselheiro.
Em se falando de jejum, eu sou mais o aiatolá Khomeini, que não faz uma mera pausa estomacal. Octogenário, minado por doenças cronico-degenerativas, ele jejua de sol a sol no mês do Ramadã. Ali, na ortodoxia, não deglutindo nem a própria saliva durante o jejum. Que dirá a saliva que beijos molhados possam instilar? E repare, prezado senhor, que Khomeini é ímã mas não é de ferro. Não há mãos solícitas que lhe ofereçam uma aguinha de coco, por exemplo.
Sim, houve essa possibilidade...
Quanto a esse fruto, saiba o senhor quão nutritivo ele é. Além da água, sais, vitaminas, glicídios, aminoácidos... Isso sem falar sobre a "lama" do coco, um autêntico bife vegetal. Se eu tivesse de levar alguma coisa para uma ilha deserta, levaria o "Cem Receitas com o Coco" (cuja edição infelizmente está esgotada). Nada mais útil do que esse livro para quem quer sobreviver até que aconteça o resgate. Mas, cá entre nós, eu não aceitaria o salvamento se for para me deixar em Fortaleza. Pelo menos enquanto dure a tal Administração Popular.
Finalizando o tema do Partido Humorista. Para auxiliar em sua divulgação, eu sugiro escolherem um animal que represente o partido. Por que não a hiena? Ela vive rindo e faz sexo duas vezes por ano, o que é uma esperança de que o país seja menos estuprado.

sábado, 23 de março de 2013

O PARTIDO HUMORISTA

Existem no país cerca de quarenta partidos políticos que vão disputar, urna a urna, os votos dos brasileiros. Ainda este ano, se as regras não mudarem. Há partidos para todos os gostos e qualificações. Para quem é jovem, ecologista, social-democrata, comunista, trabalhador, liberal, municipalista... E até para quem é saudosista, se levarmos em consideração que algumas siglas da Velha República estão a ressuscitar por aí.
No entanto, nem com essa super-abundância de partidos dá-se por encerrada a questão. Principalmente, quando se observa que não passa de um reles discurso a identificação do político com o seu partido. Como se o cenário político estivesse lacunoso de partidos que sejam adequados à práxis, advindo disso algumas consequências. Por exemplo, essa dificuldade que o Dr. Ulysses vem tendo para pôr em plenário os seus pupilos. Inclusive para votar a nova Carta Magna do país.
Nessas horas, onde o senhor pensa que andam os deputados e os senadores? Não se espante. Eles fazem animadas rodas na cantina do Congresso, no divertido passatempo de contar piadas uns para os outros. E quem botar sentido, logo ouvirá um que diz: "Tem aquela do brasileiro..." Sobre as ausências notadas nas rodas, ah, essas estão bem justificadas! Correspondem àqueles que ainda estão sob os lençóis, porque passaram a noite em festas de embaixadas contando anedotas de brasileiro.
Apesar do costume, acho que o político brasileiro não deveria ter essa dupla militância. Esposar um partido oficial e... passar as suas mais felizes horas com o que parece outro partido. O Partido Humorista, chamemo-lo assim. Eu não falo apenas das risíveis horas em que contam e ouvem piadas, mas também de seus atos como animais aristotélicos. Pois, no tocante a isso, direitistas, centristas e esquerdistas, todos se igualam.
Lembra-se da práxis? Pois é, só o Partido Humorista atende as exigências dessa madame.
Agora, se o Partido Humorista pretende ser grande, então começo a me preocupar com o futuro dele nas terras alencarinas. Ficará raquítico, enfezado (o que não convém a seu propósito), se aqui já não for grande de berço. Para isso, o partido precisa da filiação de pelo menos uma figura de projeção, já. E quando analiso o desempenho de nossos próceres, há um que logo me toma a atenção: a Sra. Prefeita da Administração Popular.

sábado, 16 de março de 2013

O RELÓGIO SAPECA

O relógio tinha o aspecto de um cachorrinho sapeca com as feições humanizadas. O cabelo de franjinha (lembro-me deste detalhe) e de como ele, com muita graça, empunhava um ramalhete de flores amarelas. Em contraste com a cor de fundo do objeto, entre o verde e o azul.
Na verdade, o cachorrinho descrito era a "capa" sob a qual se ocultava o mostrador do relógio.
Levantada aquela "capa", via-se a hora pelo sistema digital e, ao mesmo tempo, ouvia-se uma música. Uma musiquinha fina, metálica e de poucos compassos. Não duraria muito sem o "da capo" programado para fazer repetir a melodia.
O relógio não tinha um "made in" para indicar onde fora fabricado. Puerto Stroessner? Seria um bom palpite. Avaliado na "feira dos relógios" da Praça do Ferreira, seria classificado como roscofe (termo pejorativo para rotular um relógio de má qualidade).
Como nada é eterno, principalmente nas mãos de um guri, em pouco tempo o relógio ficou defeituoso, com as horas se sucedendo caoticamente. Pior: o conjunto já não se mantinha fechado, o que fazia a música ficar tocando ad infinitum.
Então, dei um jeito de amarrar a capa no corpo do relógio. Para isso, usei a pulseira (de quatro cores, esqueci de descrevê-la) do próprio relógio e o condenei ao esquecimento de uma gaveta. Tentei, pelo menos. Mas, vez por outra, quando eu abria a gaveta, o sacolejo afrouxava a pulseira e o relógio voltava a tocar a impertinente música.
Passei-lhe uma fita durex, porém esta logo cedeu.
Aquele relógio, de poucos cruzados, não tinha mesmo um grande valor. Mas não me agradava deixá-lo tocando e tocando até acabar a pilha. Talvez porque fosse uma crueldade deixá-lo esvaindo-se em música.
Nós, intelectuais e pseudos, somos pessoas sensíveis. Cada nota desperdiçada é uma gota de sangue derramada pelo relógio, pensamos assim. Vislumbrando para ele o mesmo destino dos relógios "derretidos" do Salvador Dalí.
Qualquer crime contra o tempo, ou contra um de seus agentes, é um crime hediondo.

quarta-feira, 13 de março de 2013

SESSENT'ANOS DE CAMINHADA

"Está naquela idade, de dúvida e de prazer
que já virou o dia e é pleno anoitecer;
entre o menino que catava livro para leitura
e o sessentão, hoje às voltas com literatura,
uma escada longa, com degraus ainda por vencer."
Elsie Studart

SESSENT'ANOS DE CAMINHADAS - PERCURSO E PARADAS OBRIGATÓRIAS DE MARCELO GURGEL
Um livro em comemoração dos 60 anos de idade do médico e escritor Marcelo Gurgel organizado por Elsie Studart e reunindo textos que amigos e familiares escreveram sobre ele.
Neste livro dois capítulos são de minha autoria, um dos quais se intitula:

sábado, 9 de março de 2013

PIRAJÁ

O mundo dos insetos fascinava Pirajá, ninguém sabia desde quando. Uns arriscavam que o começo de tudo tinha sido na fazenda Mangagá, a herdade de um tio-avô já meio gagá de Pirajá. Menino malino, ele costumava botar mel de cana nos apiários com o objetivo de antecipar a aposentadoria das abelhas. Isso quando não estava consertando a embreagem dos sapos para que estes não andassem aos trancos.
Passado pelas mãos transformistas de Pirajá, um bufonídeo era outro. Ganhava andadura suave, mas inseto que é bom não pegava mais.
Vê-se aqui a solércia de Pirajá: os sapos viam-se obrigados a ir para o brejo.
Mesmo na fazenda, o menino traçava (epa!) livros a mão cheia. Sobre insetos. E aprendia quão úteis eram eles (os insetos). Às vezes, maravilhado, interrompia a leitura para perguntar, em voz alta, a um interlocutor imaginário: "Quem poliniza as flores, assegurando a formação dos frutos? Quem dá o mel, a laca, o carmim, a seda? Quem, hein?". Interlocutor imaginário, pois ali, no quarto, só estava ele. Ele e, perdão, as baratinhas da cômoda.
Uma vez, o rapazote Pirajá se viu no centro de uma discussão. Estava no barbeiro, quando o fígaro fez um comentário desabonador sobre os barbeiros. Pirajá não concordou. E travaram uma áspera discussão à base de "os barbeiros são uma praga, não fale mal de seus colegas, eu estou falando do barbeiro inseto, inseto é a mãe". Como Pirajá venceu: Colocou o profissional na cadeira e, com "o último argumento dos reis", raspou a barba do barbeiro que, por sinal, era imberbe. Com a navalha e o queixo do rival na mão, também pudera!
Homem feito, Pirajá abraçou a entomologia. Acertou na mosca, vale dizer, em matéria de seguir o seu desatino. Mas, como formiga que corta folha longe de casa, Pirajá resolveu palmilhar o continente africano, onde, por oito longos anos, observou atentamente as termiteiras gigantes. Daí o apoucamento do juízo e a moléstia a ser descrita no parágrafo seguinte.
Dos tempos d'África, além das meninges assadas pelo sol do Kalahari, Pirajá ganhou uma insônia crônica. Consequência de picadas da mosca est-est. Ora, ser distinguido pelo ferrão dessa mosca, como se sabe, é ficar incapaz de pregar os olhos, mesmo apelando para o colírio de Dienpax.
Aí, para enfrentar a barra das noites mal-dormidas, Pirajá dava solitários passeios, equipado de uma lanterna, à maneira de Diógenes. "Procuro uma mariposa", dizia ele a quem o inquirisse. Em vão procurava. Mariposa quer é distância de Insetilux, a lâmpada que fulmina os insetos. Mas... quem não comete seus equívocos?
Como são belas as nuvens de... gafanhotos, Pirajá pensava assim. Mas eram um espetáculo raro. Como também era raro aparecer um circo de pulgas na cidade. (Devem estar percebendo que eu estou a falar de Pirajá no item entretenimentos.) Então, sucedia a pressão de Joaninha, sua namorada, para que fossem a um cineminha pulgueiro.
Um dia, partiu para uma expedição em busca da centopeia centro-europeia. Se a encontrou ninguém sabe, porém todos sabem que ele não foi mais encontrado. E uma efeméride assinala esse fato.
Esta foi a vida, paixão e morte de Pirajá. Para sempre seja louva-deus.

sábado, 2 de março de 2013

MAME E NÃO DÊ VEXAME

"Está bem, somos animais mamíferos. Mas acho que o homem é um pouquinho mais do que a mulher." -  Millôr Fernandes.
Mamar é sugar o leite do seio materno ou das tetas de uma fêmea de animal, conceituou Houaiss, o Enciclopédico. Purismos à parte, no verbete "mamar" Houaiss usou a palavra seio, no lugar da palavra mama, conscientemente sabendo que o seio é a região anatômica que fica entre as mamas, isto é, o vão que existe entre elas.
Mamas são as glândulas que a natureza fez surgir na mulher em função da criança. Embora se diga que, à maneira do autorama, quem brinca com elas é o pai.
Com o verbo mamar, o povo tem criado locuções curiosas. Se o ato de mamar é feito na fêmea do cavalo, diz-se que o indivíduo é um "mama-na-égua", ou seja, é palerma, toleirão; se, diferentemente, é um "mama-na-onça", é intrépido, corajoso. "Mama-na-onça", conforme o entendimento popular, é também o indivíduo casado com mulher feia, o que, aliás, dá no mesmo. E há o "fora os anos que mamou", que o povo alterna com o "fora os anos que andou de bicicleta", para dizer que alguém tem mais tempo de vida do que apregoa.
Mamar é também gíria para fumar e beber. Significando fumar - com delícia - a gente encontra em Silva Barros, quando diz: "... continuou sentado, 'mamando' um charutão". E, como sinônimo de tomar bebedeiras, embriagar-se há uma maior fartura de exemplos. Luiz Peixoto, letrista de Ary Barroso, deixou-nos, entre as páginas antológicas do cancioneiro popular, duas amostras do emprego do verbo mamar com esta acepção. Em "Camisa amarela": "o meu pedaço na avenida estava bem 'mamado' / bem chumbado, atravessado". E, em "Na batucada da vida", esta passagem: "depois do meu batismo de fumaça / 'mamei' um litro e meia de cachaça / bem puxada".
Mamar, além de beber, é desinibir-se. Nestor Holanda, em "Telhado de vidro", assim exemplificou: "Então, Manuel Alves Pinheiro foi ao boteco da esquina e tomou algumas calibrinas. Em outras palavras: mamou coragem."
Mamo coragem, também. Ano passado, um ministro da área econômica vituperou que o empresário brasileiro só pensa em "mamar nas tetas da nação". E considerou-se acima de qualquer suspeita por ter nome de peixe (perdão, leitores, ele tem nome de um animal pisciforme. porém mamífero).
Uma vaca que pasta no céu e é ordenhada na terra é a velhíssima ideia que se tem do Brasil. D. João IV, o Restaurador, dizia que éramos a "vaca de leite" da Monarquia. Em tempos atuais, Brizola, afrontando um desafeto político, lançou-lhe a anátema de que "não mamou... mas segurou a vaca para que os outros mamassem".
Por qualquer prisma que se olhe o país, a gente só vê mamadores.De um lado, são os "leitessugas" da casta da especulação, do conchavo e da mamata (como cabe aqui esta palavra!). Do outro, são os enjeitados da sorte que mamam... no dedo, ora bolas.
A propósito, bezerro enjeitado escolhe teta?
(texto da década de 1980, concluído recentemente)