sexta-feira, 3 de agosto de 2012

PAPO FURADO

Sr, Redator,
Desde que o comércio, com a venda de bonés, camisetas, chaveiros e outros badulaques, deitou e rolou nos carpetes estendidos para o Papa, eu tinha me convencido de que nada mais faltava para ser mercadejado. Puro engano. Pois logo tomei conhecimento de um fato que me desmentiria: a Telesiará vai cobrar pelo papo furado (Aqui não confundir com a Teleceará que não tem nada a ver.)  Minha primeira reação foi olhar para o calendário. Não, não era ainda 1984, o temível ano em que a privacidade do cidadão morrerá - de vez - de hemoptise. Além do mais, a Telesiará não conseguiria realizar uma ampla escuta em nossos telefones sem entrar em linha cruzada com o SNI. Então, qual seria seu modus operandi? No próximo parágrafo.
Num rasgo de objetividade a Telesiará deu uma de "conceituadora": o papo furado é o que leva quatro (ou mais) minutos. Não me interessa aqui discutir a entrada dela nas águas territoriais do Instituto de Pesos e Medidas e sim como ela agiu para chegar à tal conclusão? Talvez, com a ajuda de algum calculista saído dos contos de Malba Tahan. (Todo mundo sabe que prosa se mede em dedos, ora.) Mas, o fato é que ela não cuidou de que já existe um processo mais simples, o qual consiste em cobrar a "conversação informal" aos usuários, de um modo semelhante ao que acontece com a iluminação pública. E por que assim não procedeu? No próximo parágrafo.
Simples: a Telesiará optou pela imagem do bom-mocismo. Passa a combater os perdulários da palavra (o que todo mundo vê) quando, no fundo, no fundo do bolso os estima (o que ninguém vê). Dá nitidez às primeiras intenções para que as segundas, ofuscadas, não sejam percebidas pelos usuários mais impertinentes. Aqueles que vivem a escrever às redações dos jornais "protestando contra tal estado de coisas etc." Mas eu, não. Não participo dessas passeatas postais. Se, por um lado, estou sendo ácido em meus comentários, por outro, até terço com o público para que colabore com a Telesiará (em suas primeiras intenções, evidentemente). A lei anti-miolo-de-pote não mais se discute, já é uma realidade. Agora, o que fazer? No próximo parágrafo.
Adaptar-se aos novos tempos. Coisa que se consegue fácil, fácil, com a adoção de algumas medidas pelo interessado leitor que, como eu, não quer viver ao arrepio da lei:
1) Procurar a orientação de fonólogo competente para corrigir qualquer vestígio de gagueira.
2) Reciclar os conhecimentos sobre siglas (o tempo que se economiza ao chamar o Departamento Nacional de Obras contra as Secas simplesmente de DNOCS, só para dar um exemplo).
3) Restringir-se no pernicioso hábito de ouvir as transmissões radiofônicas de futebol para não se impregnar daquele linguagem hiperredudante.
4) Abastecer-se de gírias (a expressão "tá ruço" é mais eloquente do que um discurso inteiro do Chico Pinto), não dispensando nem mesmo as que estão fora de uso, tais como "ai da base", "castigou legal" etc.
5) Tentar, enfim, haja o que houver, conservar o pânico toda a vez em que estiver ao aparelho de Bell.
Em tempo
O assunto que aí vai pode ser lido em 3 minutos e 17 segundos, não sendo, portanto, um papo furado.

Cartas do Povo, 28 de setembro de 1980

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