sexta-feira, 22 de junho de 2012

DORES DE CABEÇA

Uma mulher de meia-idade foi encaminhada a um psiquiatra por causa de persistentes e incapacitantes dores de cabeça. As dores haviam começado após sofrer um traumatismo craniano do qual se recuperara sem sequelas neurológicas. Exames médicos meticulosos e repetidos não conseguiram mostrar um substrato orgânico que justificasse as dores de cabeça. E isto, juntamente com a impossibilidade de resolver o problema da paciente, vinha provocando uma grande frustração nos especialistas que a atendiam. Até que, considerada como portadora de cefaleia psicogênica, encaminharam-na a um psiquiatra.
Dr. Osmar "por uma psique sem tiques" Peredo, o psiquiatra recomendado. Recém chegado de Buenos Aires, onde se submetera a quatro anos de análise, era um profissional apto à abordagem psiquiátrica da enferma. O período em Buenos Aires, além do conhecimento de técnica psicanalítica, dera-lhe a resignada aceitação do próprio nome. Antes, considerava-se Dr. Osmar um estigmatizado em razão do solecismo que carregava no nome. Mas agora, não. Ele já se conformava em não ser chamado de Omar ou Osmares. E cá o temos a atender a sofredora mulher de meia-idade.
Finda a entrevista, o psiquiatra foi, ahn, pouco animador.
- Devo-lhe uma explicação inicial. A psicanálise, essa ciência do inconsciente, antes de ser tratamento é técnica de interpretação. Procura descobrir o sentido inerente a cada sintoma da esfera psíquica. E a cura, quando acontece, dá-se por acréscimo...
- Mas pretende me curar, não é, doutor?
- Não exatamente. O seu caso é supostamente refratário a tratamentos. Mas lhe ensinarei a conviver com as dores de cabeça.
Insatisfeita com o pouco que a psiquiatria tinha a lhe oferecer, a senhora retirou-se. Todavia, uma semana após, estava de volta ao consultório do terapeuta. Trazia uma informação surpreendente.
- Doutor, talvez nem acredite... Depois de tanto tempo, minhas dores de cabeça estão diminuindo.
- Oh, perdão, rebateu Dr. Osmar. Eu devia tê-la avisado sobre a possibilidade de uma atenuação do sintoma. De caráter temporário, porém.
- Ouça aqui. Estou convencida de que estou melhorando mesmo.
- Claro que não. E, por isso, não convém alimentar falsas expectativas... Antes de tudo, a senhora deve aprender a conviver com a cefaleia. Por isso, retornemos à orientação anterior.
Quando a sessão terapêutica terminou a paciente havia tomado uma resolução. Iria suspender todo e qualquer analgésico (tomava-os com grande frequência) só para provar que o Dr. Osmar estava errado. E, apesar do discurso pessimista do psiquiatra, ficou de retornar.
Na data aprazada, lá estava a senhora a desafiar o analista.
- Estou sem tomar analgésicos e não sei mais o que é cefaleia. Não previu isso, hein, doutor?
- Pois sim. A senhora está se afastando da realidade, tentando se iludir... e isso não ajuda.
E fez questão de agitar no ar a volumosa pasta que continha a história clínica. Sublinhou os pareceres, os exames realizados, as terapêuticas mal sucedidas. Terminando a exposição com esta frase:
- Enquanto a senhora não aceitar que tem uma moléstia incurável, eu não tenho como curá-la.
Foi este o paradoxo que solidificou uma relação médico-paciente que durou décadas. Com a paciente a dizer-se curada e o psiquiatra a mostrar-se inteiramente cético quanto a isso.

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