sexta-feira, 27 de maio de 2011

CARTA AO JÔ - 4

Meu caro Jô,

O tão falado mutismo do Rubinho não passa de uma balela. E vou dizer desde quando eu cheguei a essa conclusão.
Eu assistia a você a entrevistar uma tal Dra. Santinha (do Pau Oco?), líder feminista e promotora de uma campanha do tipo "Coma Menos Mulher", logo após a entrevista do Chico. O autor de "Estorvo", um gênio como sempre, e a líder feminista, com suas diatribes de mulher mal resolvida, outro estorvo.
Foi quando o seu programa, com altos e baixos naquela noite, oscilando dos píncaros de um Chico à rasteirice de uma Santinha, promoveu em mim um choque de realidade. Aumentando-me a perspicácia e o senso crítico a ponto de eu me tornar um contestador das verdades estabelecidas. Desde então passei a observar melhor o Rubinho, em suas aparições na telinha, e chegar à conclusão citada.
Daí poder lhe garantir que o guitarrista do quinteto Onze e Meia não é um filho da Lacônia. Ele fala - e muito!   É um refinado ventríloquo com a imensa barba só para escamotear os movimentos labiais. E aquela possante gargalhada (que a gente ouve a todo instante) não é do Bira, é dele também. Agora, porque o conhecimento desse fato vem sendo oculto aos telespectadores é que eu não sei dizer. Lembra, a uma certa distância, a questão da NASA com os UFOs.
O pior cego, Jô, é o que não sabe ver... TV inclusive. Aí fica vendo... Rubinho, mentiras e videoteipe.

Paulo Gurgel

sexta-feira, 20 de maio de 2011

EM MIÚDOS

Diz que o presidente Sarney, numa rara ocasião em que ele "não" se achava viajando pelo exterior, esteve em Roma. Com um propósito todo especial: conhecer a Fonte dos Desejos.
Lá chegando, o presidente, como acontece com toda pessoa que visita aquele logradouro famoso, jogou uma moeda na fonte e formulou um pedido. Verdade que ele pensou, num primeiro momento, em quão bom seria se o "Marimbondos de Fogo" caísse nas graças de um editor italiano... Mas, porque existia coisa que o ferroava mais forte, acabou se fixando em outro pedido. Que a fonte, enquanto ainda havia tempo, fizesse com que ele tivesse um final honroso de governo, só isso.
Quando o inesperado aconteceu. Com aquela que, ali representando o nosso meio circulante, por nenhum ato humilhante deveria ser atingida.
Em miúdos: a moeda foi cuspida de volta pela fonte. De saída, um desacato à Casa da Moeda que com tanto zelo a cunhara.
Meio sem jeito, o presidente abaixou-se para recolher a vilipendiada moeda. Desagravá-la do ocorrido passava a ser o seu plano, naquele exato momento. Quanto à estratégia do plano... bem, ele não podia obrigar  a bica a pagar na mesma moeda. Ele só podia botar a pobre da "cunhada" na primeira máquina de vender jujuba que avistasse e... Espere aí, antes de tal expediente, se alguém ali presente tivesse uma ideia melhor, olhe, pode se manifestar...
Logo, um mais esperto falou:
- Presidente, jogue uma moeda forte.
Mas Sarney estava sem... Então, puxa daqui, puxa de acolá, um puxa-saco de sua comitiva arranjou uma lira - uma moeda forte ma non troppo. Que foi incontinenti atirada na fonte pelo Clark Gable do Maranhão, acompanhada de um "repeteco" do pedido.
Pois bem, não houve desta vez rejeição. E, vindo da fonte, se fez ouvir um som grave, muito grave, que eu diria situado na faixa de eructação de um ogro. Ou na faixa da fala do Mário Covas, quando ele começa o dia.. Uma ou outra coisa que evocasse, o fato é que, com a manifestação vocal da bica, Sarney ficou todo eufórico:
- A fonte está a falar, chamem o cicerone.
E veio o cicerone, um homem versado em línguas indo-europeias, o qual, depois de ouvir um pouco os rumorejos da fonte, informou ao aturdido presidente:
- É... toscano do século doze. Dá para traduzir.
- Pois avexe, homem.
- Excelentíssimo senhor: Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são...
O presidente deu evidência de que se impacientava. Como político, vá lá que ele ignorasse o tal fraseado, porém, na qualidade de homem lido (em dois sentidos) e viajado, livre estava do apedeutismo em questão. Macunaíma, por sinal, era de fonte brasileira e...
(Queimam-se aqui algumas etapas da parola da fonte. A fim de que ela possa chegar ao ponto reclamado pelo presidente, apreensivo como se encontrava para melhorar a biografia.)
- Nesta altura do mandato, excelentíssimo senhor, com a escolha do seu sucessor já acontecendo, via eleições, não existe mais como mudar o quadro. Apenas recomendo se comportar como um magistrado durante o processo eleitoral, que é por aí.
- Ah, isso eu já faço! Só não me conformo com os nomes que estão aí disputando o cargo presidencial, entre os quais não se vê um Ermírio de Morais, um Sílvio Santos, um... Nesse sentido, o secretário Marzagão, aqui comigo, está para atirar uma moeda com outro pedido que eu endosso...
Nisso, a fonte outra vez rumorejou. Mas não houve, apesar da insistência de Sarney, como fazer o homem indo-e-voltando em língua de fonte dar, em seguida, a tradução. Aparentemente, por se tratar de uma ofensa pessoal, a qual, revelada ao presidente do Brasil, iniciaria algum imbroglio.
Porém, estou sabendo - de fonte fidedigna - qual foi (em meio a alguns palavrões toscanos) a resposta da aborrecida fonte. Aquilo que recém lhe pedira o presidente, através do fiel secretário Marzagão, vinha a ser da competência de outro buraco.
Buraco de urna no Brasil, logo, logo.

Publicado em 02/12/89

sexta-feira, 13 de maio de 2011

DR. ASDRÚBAL, O CLIENTE E O AMIGO DO CLIENTE

Um adolescente - que marcara consulta pedindo urgência - estava sendo atendido pelo Dr. Asdrúbal. E o médico já intrigado porque, naqueles minutos iniciais da consulta, o rapaz se mostrava ora reticente, ora evasivo, o que dá no mesmo.
Com que, então, alguém toma o tempo de um profissional para um assunto de nonada? Pois nada até ali deixava a entrever que o rapaz tivesse algum problema importante.
Do cimo de sua experiência, Dr. Asdrúbal não podia ser requisitados para banalidades, achaques mínimos e pseudo-doenças. Tão-somente quando houvesse a evidência de uma enfermidade com substrato orgânico... aí, sim, é que seu atendimento faria sentido. O mundo reconhecia a sua competência. Fora ele o inventor da consulta campal e do sacolão da medicina, instrumentos de democratização da profissão médica. No sacolão, por exemplo, gastando o mesmo dinheiro, o cliente podia tirar uma unha encravada ou tomar um clister.
Aquele rapaz, no máximo, estava na parte desfavorável do seu biorritmo, só isso. Era levar em consideração o que dizia o aforismo primum non nocere e mandá-lo para casa. Ou, quando muito, pedir alguns exames como check-up (e como desencargo de consciência), já antevendo os mais inocentes resultados para eles.
Nisso, o rapaz falou:
- Doutor, eu sei que o senhor não receita a quem não está presente. Mas, eu tenho um amigo que acha que está com uma doença venérea...
Não precisou se alongar. Pois, interrompendo-o, o arguto Dr. Asdrúbal já foi lhe dizendo:
- Então, abra a sua braguilha e mostre o seu amigo para que eu possa medicá-lo.
Tirocínio clínico é isso aí.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O PLURAL DO PLURAL

Chegara ao fim o conclave dos professores de Português. Durante três dias, puristas do idioma pátrio, atilados defensores do vernáculo, pacientes investigadores de etimologias, latinistas de nomeada, adeptos da linguagem castiça e administradores de mesóclises haviam discutido à exaustão todos os problemas da "última flor do Lácio, inculta e bela".
Repudiados tinham sido os barbarismos, os vícios de linguagem, os erros de concordância e a má regência.
A bem dizer, o conclave já se concluíra. Os seus participantes estavam apenas reunidos em um restaurante para a confraternização de encerramento do encontro. Depois, cada um tomaria o rumo de sua cidade de origem e todos só se reencontrariam no congresso do ano seguinte.
Enquanto isso, conversavam descontraidos, entre drinques e tira-gostos, tendo como fundo a música ao vivo que a casa oferecia a seus clientes.
Quando um dos convivas, o Professor Kyw, que era conhecido pela intransigência com que defendia o alfabeto com 23 letras, resolveu fazer um pedido musical:
- Copacabana.
Kyw era um grande fã de Dick Farney (a ponto de não se incomodar com as letras alienígenas existentes no nome artístico do cantor Farnésio Dutra). E a canção Copacabana, que o professor pedira, figurava no repertório de Nilo Ney, o cantor da casa, o qual não se fez de rogado:
- Existens praias tão lindas...
A confraternização acabou ali. Aliás, foi transformada em uma reunião extraordinária, na qual se produziu uma candente nota de protesto, assinada por todos, e que foi deixada na gerência do restaurante, protocolizada (protocolada foi voto vencido) e tudo mais.