quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ANOS 80. A NOVA REFINARIA

Trava-se entre estados nordestinos uma luta política para ver qual deles vai sediar a nova refinaria. Há argumentos técnicos a favor de um, de vários e de todos. Ora é Pernambuco, porque possui o melhor porto, o Rio Grande do Norte, por ser o principal produtor de petróleo da região, e ora é o Ceará, que está em melhor posição geográfica, coisa e tal.
Os ânimos estão acirrados, nenhum estado quer perder. E, por não ser possível contentar a todos, o Governo Federal vem adiando o anúncio do nome do estado que irá sediar a tão disputada refinaria. Por se tratar de uma decisão politicamente desgastante, mesmo que seja respaldada em laudos técnicos.
Enquanto isso, aqui e ali esboçam-se acordos que visam a aumentar os cacifes dos estados envolvidos na disputa. Como, por exemplo, colocar a refinaria em Aracati para beneficiar o Ceará eo Rio Grande do Norte. Ou, então, construir a refinaria no Cariri para dividir as vantagens entre Ceará e Pernambuco (afinal, o Arrais é também cearense).
Só que propostas assim poderão atender aos interesses de dois ou, quando muito, três estados. Passando ao largo dos interesses dos demais. Por ser impossível encontrar uma região em que todos eles façam fronteiras entre si.
O que todos os estados nordestinos apresentam em comum é o fato de serem banhados pelo Oceano Atlântico. Daí me ocorrer a ideia de que possa ser construído um grande navio-refinaria. Com a palavra, os japoneses (para quem navios e fábricas podem ser a mesma coisa). Navegando de um estado para outro (com a exclusão da Bahia que já tem uma refinaria terrestre), a refinaria flutuante, iria deixando nas escalas a sua produção conforme as necessidades locais.
Em momentos de folga nos compromissos assumidos, o navio-refinaria poderia se deslocar, quem sabe, até o Pará. Que não é Nordeste, mas que tem no governo um correligionário do presidente, eis outro argumento técnico.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

RAÇA DE VÍSPORAS!

No governo do presidente Dutra os cassinos foram proibidos de funcionar no Brasil. Entretanto, volta e meia reacende-se a discussão se eles devem voltar a ser legalizados.
Sou contra.
Legalizar os cassinos é criar uma situação perigosa para o país que, em matéria de jogos de azar, não apresenta um senão. Em toda sua história, faço fé.
Loto um terreno de grandes riquezas em nome de quem me desmentir. Porém, com dados que o comprovem.
Então, quando vejo pessoas a serviço de interesses tão prejudiciais, eu só posso é perder a esportiva. Raça de vísporas! Ninguém aqui tem cara de bozó. E saibam esses senhores que encontram em mim um páreo duro. Eu jamais vou aceitar que, no bolso do povo, façam qualquer raspadinha.
Ora, de seus minguados recursos o povo muito precisa. Para aplicar na Bolsa, para colocar no Baú ou, até mesmo, para enfrentar alguma sinuca (das muitas que a vida lhe apronta).
Por isso, não vamos rifar a nossa dignidade. Apenas porque outros nos acenam com a possibilidade de um notão milionário. A nós, antes de tudo, cabe dar as cartas.
É muito cinismo desses senhores. Querendo instalar o império da jogatina no país, só para ver.... o bicho que vai dar.
Merecem ir à lona.

Comentário no Pasquim nº 1046, de 02/08/90, onde foi publicado com uma ilustração do Amorim:
O Jaguar tem um cartum que mata a pau. Dois caras conversam. Um diz:
- Vão acabar com o jogo no Brasil.
O outro responde:
- Vamos apostar que não conseguem.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

SOFRENDO NOS COUROS

- Expedito.
Ele levantou a cabeça e espiou na direção de quem o chamava. Era o patrão. Ainda deu para acrescentar a rubrica num documento e, sem outra demora, deixar o seu birô para ir atender ao chefe. Assim era Expedito, o mais antigo e graduado funcionário daquela firma de exportação de couros. Trinta anos no batente haviam feito dele um homem de confiança da direção. Sempre a postos para esclarecer um detalhe burocrático ou solucionar alguma pendência.
- Expedito.
E lá ia o solícito funcionário aplicar a sua tarimba a serviço da casa. Tinha o maior salário do quadro de empregados. Embora não fossem lá grande coisa os 100 mil cruzeiros que recebia ao término de cada mês de trabalho (vissem que mal dava para as despesas usuais com si próprio e com a família). No entanto, mesmo passando por essas dificuldades, jamais se animara a procurar emprego melhor. Acomodara-se com o status profissional ali conseguido.
Como a empresa vinha atravessando uma crise financeira - rumores de falência eram ouvidas nos corredores - ele procrastinava pedir uma melhoria salarial. Esperando um tempo mais propício para esse tipo de reivindicação. E, nesse compasso de espera, Expedito tomou conhecimento de que a situação era pior do que imaginara. O patrão, numa conversa franca, lhe propôs uma redução temporária no salário que o auxiliar ganhava.
"Em 50 por cento", disse-lhe o patrão, "ficando o seu salário em 50 mil cruzeiros. Mas só até que a empresa supere suas dificuldades atuais".
Ora, se Iacocca topou ganhar um dólar por ano até reerguer a Chrisler, por que Expedito não ia aceitar o sacrifício para ajudar a sua empresa? Aceitou. Esperançoso de que não ia durar muito o sacrifício proposto pelo chefe.
E, de fato, não durou. Alguns meses após, o patrão chamou Expedito para uma nova e auspiciosa conversa. A firma fechara grandes contratos de exportação e havia recuperado a saúde financeira. E ele não esquecera o desprendimento com que o fiel empregado ajudou a salvar a empresa. Como prova de reconhecimento, Expedito ia agora ter um reajuste de... 100 por cento no salário.
"É uma forma de compensar - com vantagem - a perda anteriormente sofrida", acrescentou o patrão.
O que fez Expedito retornar a seu salário de 100 mil cruzeiros.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A CONSTITUIÇÃO DIVINA

Apesar de escrita por linhas tortas, a CD primou por ser bastante sucinta:
Artigo 1º - É proibido comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal.
Parágrafo único - Ficam revogadas as disposições em contrário.
O que significava dizer que, no Paraíso, se podia fazer praticamente de tudo, que não dava bronca. Exceto comer do fruto proibido, o qual tinha de apodrecer no pé, por maior que fosse a fome do saber.
Mas o ser humano fraquejou ao cair na língua bífida de uma serpente. E foi expulso do Paraíso. Passou a ter uma existência de dor e sofrimento sobre a Terra. O homem a comer o pão, que não lhe acrescentava miolos, com o suor do rosto (aliás, do corpo inteiro). E a mulher a parir os filhos com dor, lamentando-se por não pertencer à ordem dos marsupiais.
Quando alguém cometeu o primeiro crime de morte, Deus intuiu que tinha de endurecer. Que era o momento de tomar certas providências que premiassem o mérito e punissem o crime e a contravenção. Criou o Céu e o Inferno.
Nos primeiros tempos os conceitos eram bastante claros. Cada ser humano sabia o que era certo e o que era errado. Para se comportar ele seguia o livre arbítrio - uma boutade de Deus para descrever o universo das coisas previstas. Sabia o ser humano que, ao fim de sua terrena existência, dois desfechos existiam: ao homem justo, um kit de camisola, sandálias e harpa que ele ia usar no Céu; ao carga torta, uma carona na ponta de um espeto até a Geena, onde ele ia ser fritado.
Um dia, o Inferno teve um enorme apagão. Sem dizer água vai, Deus quase pôs fim à espécie humana. Por ter informações privilegiadas, Noé escapou com a família e com os animais que não tinham a ver com o peixe. Aqueles que sobreviveram ao temporal foram recebidos em terra firme com um arco-íris ao fundo - sem pote de ouro! Não era oportuno recomeçar o povoamento do planeta sob a nefasta influência da cobiça.
Com a sociedade humana crescendo e se tornando complexa os limites da ética e da moralidade foram ficando confusos. Apesar de já existir um dispositivo infraconstitucional com 10 Mandamentos para tentar pôr ordem na casa.
Para dar alguns exemplos: crime de morte é gravíssimo, mas o que dizer quando o mesmo é cometido, em larga escala, durante uma guerra? E a mentira piedosa que é contada ao que vai morrer? E o contrabando, o caixa dois e o descaminho? E palitar os dentes na Sexta-Feira da Paixão?
Dividir os pecados em capitais (aqueles que são cometidos nas cidades maiores) e veniais (aqueles que são punidos com doenças venéreas) não contribuiu para que as pessoas entendessem aonde Deus queria chegar.
Nem quando Deus também criou o Purgatório Binacional, com sede na fronteira entre o Céu e o Inferno, para as purgações de segurança mínima. Dirigido por uma comissão bipartite de anjos e demônios, e com a presidência ocupada pelo sistema de rodízio, o Purgatório não durou um milésimo de eternidade. E bastou que um papa desse anistia aos pagãos para que virasse um mamute branco.