sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O ORADOR BAIANO

O avião tinha acabado de decolar do Aeroporto Pinto Martins. Voo para São Paulo com escalas. Pelo microfone, o comandante Aparício fez a saudação de praxe. O célebre "senhores passageiros, aqui lhes fala o... blá, blá, blá..."
Nisso, um tipo recém-embarcado, baixo e de poucas carnes, sem qualquer consideração ao aviso que mandava prender o cinto e ficar sentado durante a decolagem, pôs-se de pé. Pigarreou. E deu início a um formidável discurso de retribuição aos votos de boa viagem. "Em nome de todos os passageiros deste avião", sem explicar, porém, como e quando lhe fora dado o tal mandato.
Refeitos da surpresa, logo soubemos quem era ele: um orador baiano! Meus Deus, orador baiano é fogo! Onde quer que reúna gente, aparece um deles para discursar. Naquele estilo arrebatado, empolado e gongórico que faz do suplício chinês algo preferível.
É... ninguém sabe onde o orador baiano vai buscar tanta inspiração. Já estiveram num enterro em que, estando prestes a baixar o corpo à sepultura, aí começa a chover? No qual esse fenômeno do tempo, que nada tem a ver com o falecido (pessoa boa, honrada e tal), é logo incorporado ao panegírico ("até a natureza chora") que alguém está a fazer? Pois bem, esse alguém, sem padecimento de dúvida, trata-se de um orador baiano.
E ali, naquele "pássaro de aço" (expressão dele), tínhamos o não tão raro espécime. A triturar a finita paciência coletiva com a seu infinita peroração.
Nas horas seguintes, o Carcará de Haia prosseguiu com sua falação. Pois orador baiano, segundo reza a lenda, só pode ser neutralizado à base de sabacu, um recurso que nós, civilizados passageiros, não iríamos tentar, ah, não iríamos! Ficasse o problema a aguardar outro tipo de solução, uma solução biológica, talvez.
Mas, enquanto o ictus apoplético não lhe acontecia, outra coisa se manifestou: o microfone de bordo anunciando que o avião ia pousar. Foi quando o homenzinho, que já estava no vigésimo "como eu ia dizendo", parou o seu discurso. Como que estivesse atendendo a um apelo misterioso, se bem que não era exatamente isso. Ele ia simplesmente descer... porque havia chegado a seu destino. Afinal, era a escala de Salvador.
E com que alívio o vimos desaparecer de nossas vidas! Um alívio que, porém, infelizmente, logo esvaneceu. Assim que ouvimos um dos passageiros, atento ao que estava por acontecer lá fora, com a voz de desânimo anunciar:
- Ei, turma! Está assim de orador baiano para entrar no avião!

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