sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

PALANQUE

Finalmente surgiu uma tese que absolve os políticos de uma das acusações que lhe são feitas. A de que prometem, numa campanha eleitoral, coisas que eles não vão cumprir após eleitos. Pois a tese em questão simplesmente lhes tira a responsabilidade sobre as coisas em vão prometidas e, no lugar deles, põe a culpa em algo "novo". Algo que, até há pouco tempo, ninguém sabia que tivesse essa propriedade de desnaturar os homens públicos. A ponto de torná-los levianos da palavra.
Este causador de tudo é o palanque.
Quando um candidato a um cargo eletivo estiver a prometer mundos e fundos seja tolerante com ele. É o palanque que o leva a tanto compromisso. Rede de água, calçamento, escola, hospital, linha de ônibus, creche... Ah, é o palanque. Tanto que bastar retirar o prometedor de cima do estrado para ver como ele se transforma. Fica incapaz de assumir um compromisso que, a seguir, não venha a honrá-lo, mesmo que isso seja inédito. Em suma, fica um Catão o nosso homem (epa!).
Há essa relação, de causa e efeito, entre o palanque e o que sai da boca do homem para só se concretizar no dia de... São Nunca! Se bem que a tese não explicite como o fenômeno exatamente ocorre. Apenas sugira que possa estar relacionado com a perda de contato, por parte do político, com a a mãe Terra - ainda que temporariamente. E que, por via de consequência, ficaria ele - à maneira do que um dia aconteceu a Anteu - grogue e enfraquecido. Quando nada, em seus princípios morais. E como daí para o falatório inconsequente a distância é quase nenhuma...
A propósito, Anteu era um personagem mitológico considerado invencível por conta da energia (epa!) que ele, através dos pés, absorvia da Terra. Até que, pugnando com ele, Hércules o suspendeu do chão, para "desligá-lo" de sua inesgotável fonte de energia, e assim o matou. Outro modo de ação não tem o palanque. Quando deixa o político, ainda que pelo curto tempo de um comício, distanciado do chão da realidade, a prometer o céu na Terra e o seu amor também. E, nesse tresvario todo, também não se ignore a influência a cargo da claque, da música e do foguetório.
É tão avassaladora essa ação do palanque sobre o ser humano que não se tem notícia de resistência natural ou adquirida. Tem mais: mesmo ao pouco imponente caixote de cerveja o homem é também muito sensível, caso suba num... Que ele então fica: palrador, verborrágico e discursivo. Enfim, um utópico de carteirinha! E sabem por qual razão? O afastamento do chão da realidade, embora menos do que quando é o palanque. Nada a ver, portanto, com a cerveja que o homem tenha consumido antes de subir no caixote.
Um (e)leitor arguto pode lembrar que os políticos se comportam do mesmo modo quando estão na rádio e na televisão. O que, por sinal, poderia comprometer a tese vertente. No entanto, convém explicar que um estúdio de rádio ou de televisão assemelha-se a uma gaiola de Faraday. Por isso, isola tão bem quanto um palanque (excetuando-se o caso do palanque do Partido da Juventude que, aqui em Fortaleza, uma vez chocou muita gente, os mais velhos devem estar lembrados). Daí, ao contrário de sofrer qualquer abalo com esse questionamento, a tese sai ainda mais fortalecida.
Vêm aí eleições. Desde já, fiquem todos sabendo que os políticos não terão culpa pelo Canaã que o Brasil não vai ser. Que tem de ser responsabilizado é o palanque, esse (c)réu inconfesso. E, num grau menor, o caixote de cerveja.

Agosto/1994 - Publicada no "JORNAL DO LEITOR"
30/07/94 - Publicada no "DN - CARTAS"
Dezembro/1989 - Publicada no "JAMB"
15/07/89 - Publicada no "POVO CULTURA".

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