sexta-feira, 9 de outubro de 2009

AOS QUE RONCAM

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Não se pode roncar impunemente,
A noite toda, feito um caititu
A morgar no bem-bom. Ou julgas tu
Que cá, nesta casa, não mora gente?

Ressonando, não dás nenhuma trégua
Ao sossego daqui. Pô, Roncador!
Lembras um carro de bois gemedor
Cuja bulha tem o alcance da légua.

Queres roncar? Busca um novo endereço
Distante de ouvido cristão, ó Anta!
(Nesse afã, talvez te ajude Morfeu.)

Pois, se aqui te quedas, eu não apreço
Um reles tostão por tua garganta,
Já que te acham o próprio Asmodeu.

Foi publicado no Jornal da Associação Médica Brasileira (JAMB nº. 1157), de fevereiro de 1987. É uma paródia do soneto AOS QUE SONHAM, de Raul de Leoni (a seguir).

AOS QUE SONHAM

Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente.

Olhando no alto a árvore excelente
Que os frutos de ouro esplêndidos enflora
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da serpente.

Queres sonhar? Defende-te em segredo
E lembra, a cada instante e a cada dia
O que sempre acontece e aconteceu:

Prometeu e o abutre no rochedo,
O Calvário do Filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!

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