domingo, 11 de janeiro de 2009

VOO BALDEADO

Paris, um ano qualquer. Via-me dentro de um avião que me levaria de volta ao Rio.
Naquela manhã úmida, enquanto aguardava a decolagem, distraía-me olhando as pessoas que, numa das laterais da pista, punham vapores pela boca: falavam. Antevendo o tipo de viagem que eu faria um frisson percorreu-me a espinha. Eu, passageiro único de um longo vôo internacional Paris-Rio.
Desejei ter alguma companhia durante a viagem: nem que fosse um palestino com granadas no cinto ou, então, Allien, o oitavo passageiro. Melhor do que curtir uma solidão que já se prenunciava troposférica.
Subiu um tipo no avião. Franzino, usava um chapelão que me pareceu démodé. Mastigou um bonjour qualquer quando passou por mim e dirigiu-se à cabina de comando: era o piloto. Pôs-se a mexer chaves, botões e manivelas de modo a estremecer toda a aeronave. E a cuja foi ganhando velocidade, ganhando velocidade até que... se desgrudou do chão. No ato, fui transferido para duas poltronas atrás por meio de um salto simples mortal.
A equipagem do avião era constituída apenas pelo piloto e, por conseguinte, não havia aeromoças com acepipes para a gente duplamente beliscar. Ele, sozinho, não podia também se dar ao luxo de ir até o michel, se necessidade tivesse. Anotei outras dificuldades a bordo: ruído da pesada ao invés de uma música leve; inexistência de jornais para a leitura do horóscopo; sacos que vomitavam no próprio freguês etc.
Fui suportando. De antemão eu sabia (desde que comprara a passagem a um agente de viagens por um preço bem camarada) que o voo seria na classe econômica. E tomara algumas precauções, como a de levar uma lata de galinha com farofa.
O avião devia estar voando bastante baixo pois, num curto intervalo de tempo, foram de encontro a meus óculos um mané-magro e um besouro-do-cão.
Houve um instante em que cambaleei até a cabina de comando para oferecer ao piloto uma asa da galinha. Recusou. Quieto, caladão, ele mais parecia um mineiro. Pude então ver quão sub-utilizado era o painel do avião: o único instrumento que o pilotinho consultava, o tempo todo, era um curioso aparelho de dois (ou três?) ponteiros, o qual estava no pulso dele, lembro-me agora.
Surpresa das surpresas! O (meu) avião, com um accomplissement de fazer inveja aos concordes da vida, já estava pousando em sua primeira escala. Presumi ser Lisboa. Mas, não, era solo francês ainda. Saint-Cloud, um dos arredores de Paris, como mais tarde vim a saber.
A máquina-voadora parou, mas a estória é que não. Baixou um santo serelepe no “aeromaquinista” a ponto de ele, transfigurado, saltar do avião para os braços de um povinho que se formava no descampado, perdão, no aeroporto econômico. Levado com “hurras”, qual um técnico de time campeão, nunca mais tive notícias dele.
Começar de novo a viagem. Com a diferença que agora eu não tinha mais l’argent. Na França, pior de tudo, não existe como no Brasil uma “Lei dos Estrangeiros”. Dessas que, após uma declaração política, brindam o cidadão estrangeiro com uma passagem aérea de volta a seu país.
Então, procurei a Embaixada do Brasil. (Com os pobres de Paris aprendi essa lição.)
O embaixador, um cara legal, que considerava o Brasil a sua segunda pátria, valeu-me na dificuldade. E despachou-me para o Rio, a tempo de pegar a feijoada do sábado, num voo de outra empresa. Bem diferente da primeira que operava somente com um 14-bis.
(escrito em 1981, revisado em 2009)

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