terça-feira, 20 de janeiro de 2009

GURGELZIM DA VIOLA

Nos vividos de 1967, Gurgelzim tomou a resolução de aprender violão. Comprou dedeira, pestana (uma espécie de prótese para violão), apito de lá, método do Canhoto (na versão destra, a única que existe, aliás) e, last but not the least, pegou emprestado o instrumento.
Mão direita na boca, mão esquerda no braço (boca e braço do violão, bem entendido, que aqui ninguém está falando de ioga), no começo era aquela luta para sacar do instrumento algum som musical, mesmo por aproximação. Em momentos, a vontade de largar tudo e voltar a soprar pente com papel.
“Felizmentecapto”, Gurgelzim foi conseguindo, com pouca catatonia, dominar as chamadas posições do violão: primeira, segunda, terceira e marcha à ré. Deste estágio para o seguinte, o de tocar “Parabéns pra você”, foi mais rápido do que um apagar de velas de um bolo confeitado.
O repertório, até então menos diversificado do que o de um grilo com insônia, avolumou-se com o tirar as músicas de ouvido. E somente quando faltava cotonete na praça é que acontecia de ele cometer alguma heresia harmônica. Do tipo: “Último desejo”, de Noel Rosa, no tom de... ré maior.
Quanto ao espelho, entrou na fase seguinte – a dos acordes dissonantes – que, para quem não sabe, produzem um tremendo visual. Um acorde maior de sexta com nona, por exemplo, é tão estético para os olhos (daí o espelho) que torna dispensável ferir as cordas. O som é um mero subproduto.
Conforme o ponto de áudio, o som pode também ser um superproduto. Senão, por que Gurgelzim muito ensaiaria o pinho dentro de um guarda-roupa? Por causa da acústica, claro. O fato, entretanto, era motivo de insatisfação para seu pai, que não gostava de andar com o colete reverberando “Abismo de rosas”. O cujo fez inclusive greve de não comer peixe frito com alcaparras até que Gurgelzim demovesse da idéia malsã.
Durou pouco a represália paterna, pois o “dilermandinho” da casa provou, por A menos B, que se estava economizando naftalina.
Percalço nenhum, até hoje, fez Gurgelzim tirar a viola do fundo do sovaco e botar no fundo do saco. Como? Desafinar na vida? Ora, isto acontece com ele e com todos. “Rosa”, do Pixinguinha, em ambiente de feijoada com caipirinha, taí a prova incontestável de que a desafinação é geral.

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