segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A TÍTULO DE...

Vez por outra me surpreendo desempoeirando velhos papéis guardados. Entre notas fiscais, cartas, recibos, cartões de visitas, um que sempro encontro pegando aquele ranço é o meu título de eleitor.
Arranjo tempo para levar dois dedos de prosa com ele:
- Oi, bicho.
- Até que enfim... você me aparece. No mínimo, está de saída para votar.
- Desinformado... Então, as traças não lhe contaram? Que não vai haver eleição no ano de 1980.
- Mas... não estava tudo certo?
- E você... é como o cartão de crédito que acredita em tudo aquilo que ouve?
- Bem, a intenção...
- Aí é que está! É grande a distância entre intenção e gesto.
- Quer dizer que o partido do governo vai continuar...
- Um momento. Agora se diz: partido no governo.
- Detalhes de semântica.
- Muito mais. É o próprio jogo democrático, dizem.
- E a oposição?
- Caiu no conto do pluripartidarismo. Quando deu fé estava já toda dividida.
- Sendo assim, não vejo ocasião mais propícia do que esta para o partido no governo, como você diz, desfechar um golpe de misericórdia na oposição.
- Teoricamente. Na prática, a oposição pode fazer uma holding.
- E qual é a opinião dominante no seio da classe política?
- Olhe, anjo. Quem conseguiu lugar no salão vai continuar se requebrando para que o mandato, digo, o bambolê não caia da cintura.
- Você considera isso justo?
- Não. Mas os políticos, sustentados pelos resultados de uma pesquisa feita entre eles, bastante semelhante a uma que ocorreu no Congo Belga, em 1928 (Macaco, você quer banana?), acharam a prorrogação de seus mandatos a coisa mais justa do mundo. De modo que pretendem continuar representando o povo...
- Representando para o povo, fica melhor.
- Como preferir. Agora, a consequência é que você nem em 81 vai receber carimbada nova.
- Mas... 1982 promete. Com eleições para vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores...
- Não esteja tão confiante. A nossa democracia é dinâmica, hiperdinâmica eu diria, e não pode cumprir fielmente um modelo de nação mais desenvolvida, como a Guatemala, por exemplo.
- Pô! O que é que eu vou fazer esse tempo todo?
Nessa altura, percebo que a raison d'être do meu título de eleitor anda a perigo e tento bancar o amável, pois tenho medo de que ele abandone de vez a gaveta para ir morar no Arquivo Nacional.
- Semana que vem, vai ter eleição para síndico do meu prédio. Você quer ir comigo?

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