sábado, 10 de maio de 2008

COM A CARA E A COVARDIA

Lourenço era o tipo do sujeito frouxo. Desses de levar desaforo para a casa porque, na "hora R" (de reagir), já se via... Lourenço se punha atremer que nem palma de coqueiro-babão. E... pernas para que vos quero, não está mais aí quem falou, Deus é grande mas o mato é maior, enquanto eu correr meu pai tem filho, para os mortos sepultura e para os vivos... escapula! Boi é pouco, Lourenço dava logo a boiada inteira para não entrar em briga, discussão ou entrevero (com o magarefe do bairro, então avaliem).
Poltronaria à parte, havia um projeto por que Lourenço se babava de um modo torrencial. Ir, pelo menos uma vez, ao Forró do Arnaldo que existia e dava função nas proximidades de sua residência. Principalmente quando, ao portão de casa, ele via o desfilar do mulherio a caminho do forró. Cada mulher de deixar Lourenço entre embevecido e assanhado. Numa de imaginar-se em plena sessão bate-coxa com uma delas, depois com outra e outra, botando para fora (epa!) a própria timidez.
Mas... cadê coragem para adentrar aqueles domínios de cabra-macho? Sim, porque outra coisa não era o Forró do Arnaldo. A dar crédito a umas tantas histórias que circulavam pelo bairro, e que causavam frio na espinha de quem as ouvia, era bem perigoso o arrasta-pé. Havia acontecidos em profusão que patenteavam a macheza de seus freqüentadores - uns homens capazes de, a uma minúscula provocação, logo estripar quem na frente estivesse! De fato, assim não dava para Lourenço, o Frouxo. Que sentia contorção intestinal só ao pensar em tal ambiente metido.
Ah, não estando sob forte coação, naquele local ele jamais poria os pés!... Coragem não é dor-de-dente que dá em todo mundo!
Um dia, porém, Lourenço se viu obrigado a fazer das tripas (epa!) coração. Por haver aceitado um convite da parte de Ermelinda - mulher de fechar o shopping center - para ir ter com ela, sabem onde? No Forró do Arnaldo, acreditem, e não podendo faltar! Pois Ermelinda era a personagem mais habitual em seus devaneios de rapaz solito. Mas que agora, graças a Deus, começaria a perder a diafanidade, para se tornar um ente de carne e osso (mais o primeiro item) a entrar em sua vida. Desde que ele, claro, não perdesse bestamente a oportunidade ali surgida.
Convém dizer que Lourenço, instantes atrás, ao passar Ermelinda perto dele, deixara escapar uma espécie de assovio. Coisa de quem sofre de dispnéia suspirosa. Nada a ver, portanto, com algum assanhamento que estivesse a apresentar, embora a rapariga (no sentido bom, lusitano da palavra) lá isto bem merecesse. Só que, havendo interpretado o assovio por galanteio, a boazuda da Ermelinda se achegara para um papo inicial, vindo daí o convite. E para vir depois o xodó, o amor, a paixão, bastaria Lourenço não fraquejar.
Forró do Arnaldo, às nove horas da noite, como ficou combinado. Com o coração dele, a partir daquele "até logo", indo do peito para a boca, e voltando, o sangue cedendo lugar à adrenalina... Mas, como ainda havia hora e meia pela frente, que fazer? Que fazer? Bem, tomar algumas cervejas no boteco em frente ao forró. Assim, matava-se o tempo, amenizava-se a ansiedade e, nesse entrementes, ainda podia se submeter a uma anteprova de cabra-machismo (pois era no boteco onde muitos costumavam "fazer a base" para entrar no forró). De que, se ele saísse com louvor, ficaria cheio de moral para enfrentar o arrasta-pé.
Feito! Ei-lo, então, a pagar a conta no boteco. A seguir, meio sobre o intrépido, ei-lo a atravessar a rua para entrar no Forró do Arnaldo. Onde Ermelinda toda amorosa, gentil e sensual, estaria a esperar por ele, certamente. Enquanto Lourenço, prelibador é o cão, já a sentir que a pressão ia dar, que a voz não ia embargar, que as pernas não iam tremer... Só pensamento positivo, afinal, que nada de ruim, desagradável ou funesto lhe poderia acontecer. Estavam contidos todos os medos, pânicos e fobias. Tudo por amor à Ermelinda.
Agora, ei-lo a receber na palma da mão a inesquecível carimbada. Como quitação aos cem cruzeiros desembolsados para entrar no Forró do Arnaldo. E, no momento imediato, ei-lo já a exibir o insólito ingresso (que vem a ser a própria mão carimbada) ao crioulão porteiro... Quando este, de um modo absolutamente inoportuno para quem a todo transe busca o autocontrole, crava-lhe a terrível pergunta: "Tem faca?" E, indiferente a um apavorado "n-n-não" que é o que sai da boca de Lourenço, nisto não fica o crioulão. A fim de que Lourenço use à cintura, enquanto durar a festa, vai, oferece-lhe um exemplar (dentre os muitos que estava a distribuir) do chamado objeto cortante que tem cabo e lâmina. Com esta recomendação final: "Devolve na saída."
Mas que saída? Se não aconteceu ali, como não acontecerá jamais, a entrada de Lourenço no Forró do Arnaldo. Por mais que lá vicejem as ermelindas.

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