segunda-feira, 28 de abril de 2008

BRIGAS NA COZINHA

1
Na mesa posta, o frango desossado
(lembra o tempo? Ah, o tempo
em que eu era mais amado!)
o arroz à grega
para troiano nenhum botar defeito
que eu comia até dizer "chega!"
com aqueles anéis de cebola a dorê
tão supimpas (que a Deus eu pedia tivessem
o tamanho do bambolê);
e também a salada russa - uma tese
de gastronomia, porquanto não carregavas tu
a mão na maionese.
Depois de tudo, o arremate
sem o qual não fazíamos amor:
a mousse de chocolate.
2
Éramos pessoas de raro brilho
e nos amávamos
lambuzados em mel de milho
no piso frio da cozinha
enfrentando Deus, o mundo, o enxamear das moscas
de uma estrebaria vizinha.
Mas havia tamanho zelo
entrega, confiança mútua, que um do outro não escondia
o picador de gelo
tampouco a chave do freezer
como se à natureza humana de todo impossível fosse
cair em deslize.
Raras, as nossas animosidades
eram sempre trituradas num super-liquidificador
de seis velocidades.
3
Um dia, porém, deu-se o tal disparate
(quando eu, com a paciência de um preto velho
tirava a pele dos tomates).
Ai que me disseste: "melão com presunto
é o que existe de mais opíparo."
O que me fez rir te ti, do teu bestunto
outrora conhecedor sem igual da arte
gastronômica, coisa e tal...
E fiz um aparte
no qual, do cimo de um traquejo
mil vezes vencedor na prova de encher a terrina
com pequeninos cubos de queijo,
eu defendi ser o quibe
mesmo feito de véspera, a mais fina iguaria existente
(na verdade, a minha diatribe).
4
Nisso, ao nível de um espremedor
de frutas, eis que um ato (doloso!) de tua parte
por pouco não me fez perder o indicador
e o rosto meu, que só a brisa
antes tocava
viu-se de encontro a um disco de pizza,
como se eu fosse um bandalho,
vil, reles e desprezível ser, e não um homem
passado na casca do alho.
Então, peguei de um repolho (era roxo!)
para o revide
(que um homem é um homem, não é um frouxo!)
e, em seguida, derramei sobre ti, ó bastarda
nas tuas inesquecíveis saboneteiras
até a última gota da mostarda.
5
Sim, vá lá que o rolo de pastel
para meu azar tão destramente por ti empunhado
fizesse em mim escarcéu
e que tanto levasse daquele tacape
a ponto de acabar desmaiado
numa poça de sangue e ketchup...
Em pleno emborco,
com tu, ó exterminadora, ainda cogitando em usar
a faca de furar porco
e a agulha de costurar
bife a rolê...
(Pelo que sou hoje levado a repudiar
o cretino, o farsante, o seja-lá-quem-for
que, um dia, falou para não se bater em mulher
nem com uma couve-flor.)
6
Por conseguinte, minha cara, deixemos para os pomos
a discórdia e nos reconciliemos já:
civilizados somos!
Que, em sinal de harmonia, eu te ofereço amor,
um moderno filtro de parede
e um exaustor,
o qual tornará mais suportável o borralho
(sem que suprima, é verdade
o eterno problema do cheiro do alho).
Pois antes, muito antes do que pensas
neste cálido recinto de forno e fogão
(onde as carências tuas são imensas)
de mim - quem sabe? - tu precisarás
para que eu substitua o teu vazio
botijão de gás.

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