terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O SEGUNDO

Perguntem a um estudante do curso secundário qual o ponto culminante do globo terrestre. De imediato, ele responderá: o Monte Everest. Agora, perguntem a ele qual o segundo. Não saberá. E não saber nomear o segundo ponto culminante do planeta não atesta, necessariamente, a falência do ensino secundário no Brasil. As pessoas em geral não se interessam pelo que vem logo depois do primeiro. O segundo, seja fato, coisa ou pessoa, costuma ser solenemente ignorado.
Não sendo poço (nem pico) do saber, compulso um relevante livro de Geografia. No qual encontro a resposta para a pergunta que embaraçou o estudante. Ei-la: é o Monte K2 da "kadeia" do Karakoram, no "Pakistão". Pronto! O estudante agora fica bem afiado e, na hora "K", não vai mais errar de montão. Já o Monte K2, com seus 8.611 metros de altura, é a prova sesquipedal de um infortúnio. O de ser o segundo, seja lá no que for.
Na guerra, para dar outro exemplo. O do recente toma-cá-retoma-lá que aconteceu com as "Falkinas". Valeu para a Argentina terminar em segundo lugar? Claro que não. Principalmente, quando o primeiro ficou para um leão. O Leão Britânico, cuja voracidade é por demais conhecida. No fim, passado o porre cívico (porre etílico para o general usurpador), aos hermanitos restou o quê? Um estropiado segundo lugar, felizmente tornado menos penoso pelo reencontro com a Democracia.
E ser o segundo na política? Companheiro de luta, pois sim. Basta o primeiro botar a mão no cargo em disputa para o segundo passar a ser visto com maus olhos. Também pudera! O segundo, por menos ambição que tenha, o tempo todo vive sonhando com ser o primeiro. E com abrir a altanada porta que leva ao poder, onde permanecerá enquanto puder. Mesmo que isto signifique perder a essência de ser, ora bolas, o segundo. Abaixo os desagradáveis prefixos vice, sub e que tais!
Numa ocasião, Luís Fernando Veríssimo falou que o segundo tem a solidão do poder, sem o poder. É compreensível, portanto, que ele almeje a solidão do poder, com. E queira trocar os bastidores pelo proscênio, ainda que a troca aconteça no último ato. Dou por fé. Os olhos do segundo refulguram quando ele, da boca do primeiro, ouve a palavra mágica: desincompatibilização.
Mas o segundo pode simplesmente esperar pela chamada solução biológica, como fez um político nordestino. Substituto que era, apenas esperou pela morte do titular da cadeira senatorial. E deu que, para contentamento do cujo, não se delongaram as parcas. Foi manchete da época: MORRE SENADOR BIÔNICO, ASSUME SENADOR OBITÔNICO. Agora, fazer despacho (no sentido umbandístico da palavra) também ajuda. Mas, o mais eficaz é soltar os marimbondos de fogo sobre o titular do cargo. E, depois, é só ficar aguardando, ao pé do rádio, o boletim "tancredológico".
Nos esportes, ser o segundo significa muitas vezes quebrar a cara. Numa luta de boxe, por exemplo. Não consola, mas é no pugilismo (se acontece o tal beija-lona) que o segundo é socorrido por outros... segundos. Entretanto, há esportes outros, considerados bem menos radicais, em que a situação do segundo é bastante suavizada. Numa corrida de carros da Fórmula 1. O segundo sobe ao pódio, bebe da champã e ainda contabiliza seis pontinhos. Meu Deus, nem a Fórmula 2 oferece tanto!
E, finalmente. Sabe-se da numerologia que a movimentação do 1 (unidade) é que faz aparecer o 2 (dualidade). Ambos são as polaridades do ser, o primeiro ritmo. Um-dois, um-dois, um-dois. Para haver o ritmo tem que existir o dois. Mas, se periga a existência do primeiro, quem "dança" antes é o segundo. Dois-um, dois-um, dois-um. Como na anedota: Viam-se dois compadres perseguidos por uma onça, faminta de não sei quantos dias. Quando, perdendo ambos terreno para a fera, um deles vai, grita: "É inútil. Jamais conseguiremos correr mais rápido do que a onça." No que o outro responde: "E quem disse que eu estou querendo correr mais rápido do que ela? Estou cuidando apenas de não ser o segundo do compadre."
Vingança de segundo... bem, o segundo às vezes é gozado. Quando chama o primeiro de penúltimo.

Nenhum comentário: