sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

AS COROAS DE APOLO

Foi fogo conseguir uma entrevista com Apolo. "Hoje é equinócio, não posso faltar com os astrônomos, tenho também que presidir uma mesa-redonda sobre mastectomia radical, puxa, é justamente na hora do lançamento do livro do Carneiro Portela, a menos que o recital do Pavarotti seja adiado, mas aí tem a reunião do Clube dos Charadistas, ou eles me matam..." Apolo tinha sempre desculpas, quíntuplas desculpas. Mas, o o que eu poderia esperar de alguém que é, ao mesmo tempo, deus da luz, da medicina, da poesia, da música e da arte da adivinhação? De alguém, enfim, mais acumulador de encargos do que Ulisses do Brasil, o nosso tri-morubixaba? Só poderia esperar que esse alguém, o super-ocupado deus grego, ficasse por muito tempo procastinando a entrevista, transferindo-a para as calendas gregas. Mas um dia, mercê da insistência, Apolo concordou em me receber para uma individual. Fui pensando, no caminho, em quão diversificada seria a entrevista. Na pauta, além da música, havia poesia, medicina, economia, astronomia etc. Entretanto, quando me vi com Apolo, o faro jornalístico me fez logo abandonar a pauta (despautério?). Para centralizar a tão aguardada entrevista nas duas coroas que cingiam o quengo apolíneo. E que não lance mão delas o leitor aventureiro, a menos que...

A entrevista
- Qual o significado dessas duas coroas?
- Significado afetivo.
- Por favor, explique.
- As duas coroas - uma de louros e a outra de jacintos - simbolizam as grandes paixões de minha vida, Dafne e Jacinto.
- Dafne e Jacinto? Quem são?
- Dafne foi uma ninfa a quem amei perdidamente. Eros, em suas reinações, me flechou com a seta do amor, a que tem a ponta de ouro; e flechou Dafne com a seta do ódio, a que tem a ponta de chumbo.
- Era uma paixão sem reciprocidade?
Era, e eu perseguia Dafne por todos os lugares. Até que um dia, para se livrar de meu assédio, ela se transformou num loureiro.
- Por isso, usa essa coroa de louros?
- Só que, em meu caso, são os louros da derrota...
- Noto que também usa louros na cítara, na aljava e...
- Sou um apologista do loureiro. Suas folhas aromáticas dão um excelente tempero.
- E Jacinto... quem foi ele?
- Um jovem que eu também amei. Jacinto e eu fazíamos um par na base do só-vou-ao-Monte-Parnaso-se-você-for. Mas, quis o destino que eu o atingisse com um disco de arremesso, m-o-r-t-a-l-m-e-n-t-e.
- Jacinto morreu por suas mãos?
- Nas aparências. Pois até hoje eu desconfio das mãos invisíveis de Zéfiro.
- Zéfiro, o Vento Oeste?
- Sim. Suspeito de Zéfiro, de seu ciúme tresloucado a ponto de desviar o disco para a testa de Jacinto.
- E Zéfiro também amava o efebo?
- Soprava por aí. Mas Jacinto, se bem o conheci, não era de andar com esse vento na popa.
- Jacinto morreu em suas mãos. Sendo você o deus da medicina não pôde salvá-lo?
- Bem, eu fui impotente para restituí-lo à vida humana. Então o transformei em jacinto, uma flor lindona.
- E com jacintos compôs a sua segunda grinalda?
- Sim, porém com estão esmaecidos!
- Concordo.
- O que me faz pensar que Panacéia tinha razão...
- ???
- Quando dizia que Jacinto andava meio aidético.

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